Poranduba dos Araucanos é um artigo que une todos os aspectos da cultura tradicional do povo Mapuche, assim como sua história e sua influência nas artes ocultas. O nome 'poranduba' é de origem tupi e significa "história", "relação" ou "notícia"; já o nome 'mapuche' significa "gente da terra".
Já o nome 'araucano' é a forma como os invasores espanhóis chamavam os mapuches, sendo visto de forma pejorativa por eles. Inclusive, apenas explicando o porquê de eu estar usando o nome 'araucanos' como título deste artigo, é que eu achei mais sonoramente agradável, nada mais.
Desde já, eu agradeço por aguentarem todos os parágrafos. Tenham uma boa leitura!Origem e Desenvolvimento
Os Mapuche são um grupo indígena que abrange vários grupos étnicos provenientes do centro-sul do Chile e do sudoeste da Argentina. Este povo representa 80% dos povos indígenas do Chile e 9% da população chilena. A área em que se desenvolveram estende-se do Vale de Choapa até o Arquipélago de Chiloé, e hoje em dia muitos deles saem das áreas ruais da região de Araucania para as cidades de Santiago e Buenos Aires em busca de uma condição de vida melhor.
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Diagrama das Etnias Mapuches |
No diagrama ao lado, os campos brancos representam as denominações históricas que não são mais usadas. Já os campos de cor magenta representam os grupos que adotaram a língua e a cultura Mapuche ou que têm descendência parcial Mapuche.
Todos os cantos do mundo foram invadidos, explorados e habitados pelo homem. No caso do Chile, foram os espanhóis quem chegaram para tacar o terror.
Nessa época, os Picunche viviam nos vales entre Choapa e Itata; já os Mapuches Araucanos habitavam os vales entre os rios Itata e Toltén; enquanto os Huilliche e os Cunco habitavam da região sul até o arquipélago de Chiloé.
Do século XVIII ao XIX, alguns grupos mapuches migraram para o leste, chegando aos Andes e os Pampas, conquistando seu espaço ao estabelecer relações com os Poya e os Pehuenche. Foi nessa mesma época que os povos originários da própria região dos Pampas (os Puelche, Ranquel e Aonikenk) fizeram contato com esses grupos mapuches.
Por conta da Patagônia ter ficado sob efetiva suserania mapuche, os Tehuelche acabaram adotando a língua mapuche e um pouco de sua cultura, por meio de um processo que ficou conhecido como Araucanização.
Quanto aos mapuches que viviam nas áreas dominadas pelos espanhóis, como os Picunche, misturaram-se aos colonizadores durante o período colonial, o que gerou uma população mestiça que perdeu sua identidade indígena.
Porém, na Araucânia e na Patagônia, os mapuches permaneceram independentes até o final do século XIX, que foi quando o Chile ocupou a Araucania e a Argentina conquistou Puelmapu. Foi à partir daí que os Mapuche tornaram-se súditos e cidadãos destes dois estados.
Atualmente, os mapuches estão envolvidos em conflitos acerca da reivindicação de suas terras e direitos indígenas.
Inicialmente, os colonizadores espanhóis referiam-se aos mapuches como "araucanos", termo que hoje em dia é considerado pejorativo por alguns, porém, para outros o termo carrega uma importância como representação da força desse povo em sua guerra contra o Império Espanhol.
Acredita-se que durante o período colonial espanhol, os vários grupos mapuche (Moluche, Huilliche, Picunche e Nguluche) se autodenominavam 'Reche' ('Re' que significa "puro" e 'Che' que significa "povo"), em relação ao seu sangue nativo puro.
Já o nome 'mapuche' é considerado um endônimo relativamente recente que significa "Povo da Terra" ou "Filhos da Terra" ('mapu' que significa "terra" e 'che' que significa "pessoa". Esse termo passou a ser mais usado após a Guerra de Arauco.
É possível identificar o povo mapuche através da geografia de seus territórios.
• Puelche ("povo do leste") ocuparam Puel mapu, as "terras orientais" (Pampa e Patagônia da Argentina).
• Pikunche ("povo do norte") ocuparam Pikun-mapu, as "terras do norte".
• Williche ("povo do sul") ocuparam Willi mapu, as "terras do sul".
• Pewenche ("povo do pewen") ocuparam Pewen mapu, a "terra da árvore pewen".
• Lafkenche ("povo do mar") ocuparam Lafken mapu, a "terra do mar".
• Nagche ("povo das planícies") ocuparam Nag mapu, a "terra das planícies". Antes chamados Reche, depois chamados Araucanos, este povo tem como representantes Lef-Traru (Lautaro), Kallfülikan (Caupolicán) e Pelontraru (Pelantaro).
• Wenteche ("povo dos vales") ocuparam Wente mapu, a "terra dos vales".
A cultura mapuche já existe no Chile e na Argentina desde 600 a 500 A.E.A. Acredita-se que os mapuche são descendentes de povos da Bacia Amazônica que migraram para o Chile através de duas rotas: o planalto central andino e as planícies orientais bolivianas.
Na época em que os primeiros espanhóis chegaram ao Chile, a população indígena se concentrava no arquipélago de Chiloé, considerado o "coração mapuche". Os mapuches viviam em aldeias dispersas, ao longo dos grandes rios do sul do Chile, mas preferiam construir suas casas em terrenos montanhosos ou colinas isoladas, ao em vez de planícies e terraços.
Práticas Sustentáveis
Os Mapuches seguem o Admapu (no mapudungún, significa "costume do território"), o conjunto de antigas tradições, leis, direitos e normas que regem o comportamento na sociedade mapuche. Ou seja, estas são regras sociais e de valores que regem esse povo, moldando tanto sua natureza moral, quanto religiosa, espiritual e jurídica do espaço territorial que ocupam.
Foi o deus Guenechén o responsável por passar estes ensinamentos para os antepassados dos Mapuches. Dessa forma, o admapu acabou determinando a identidade do povo mapuche ao regulamentar a prática das seguintes ações:
• A interação permanente com a natureza de forma respeitosa, tendo como guias os espíritos Ngen.
• A relação com os espíritos de seus antepassados, sendo tradição lembrá-los.
• O estabelecimento de princípios hierárquicos de organização política baseada na organização social.
• A valorização da terra e dos recursos dela tirados.
Segundo o admapu, cada família está orientada para o desenvolvimento das suas atividades extrativistas ou agrícolas, para um determinado território de tipo familiar que é passado de geração em geração, sendo exercido de forma comunitária. Tal território não só inclui o direito de caçar e coletar, praticando a agricultura em pequena escala, mas também implica direitos jurisdicionais do lonko (chefe) sobre aqueles que ali vivem.
Para que o admapu seja mantido em segurança e sempre lembrado, são realizados diversos rituais centrados em ritos de sacrifício como o Guillatún. Caso algum mapuche transgrida as normas do admapu, ele pode sofrer uma série de penalidades devido ao desequilíbrio que isso gera na natureza.
Transgressão Religiosa - Se a transgressão do homem tem a ver com a violação de normas da ordem sagrada, ele irá sofrer de alguma doença que pode afetar a todo o lof (grupo de famílias) do transgressor. As obrigações tidas para se redimir de suas ações dizem respeito à totalidade do lof. É por isso que as doenças decorrentes de uma transgressão religiosa podem ser sofridas por familiares diretos do homem e não necessariamente por ele. Por exemplo, se a família constrói a sua casa num local proibido e sem pedir autorização ao Ngen (espírito) responsável pelos seus cuidados, a doença pode manifestar-se num dos filhos.
Transgressão Familiar - Se a transgressão está relacionada a danos contra um membro do mesmo lof que o do transgressor, a única forma de se redimir é através de uma indenização várias vezes superior ao dano causado.
Transgressão Inimiga - Se a transgressão for cometida contra alguém fora da comunidade ou lof do transgressor, ele só poderá se redimir com uma compensação acordada entre os lonkos do respectivo lof, visto que a forma tradicional de estabelecer responsabilidades se dá por uma relação estabelecida entre os lonkos dos lofs envolvidos. A comunidade reunida em torno de cada um dos seus lonkos decidia as tais responsabilidades, os prazos para restabelecer o equilíbrio e a quantidade de animais com os quais seriam compensados os danos causados.
Transgressão Maligna - Quando se faz uso de serviços de um kalku para causar o mal.
Além disso, os Mapuche praticam uma agricultura que respeita os ciclos naturais e a biodiversidades, ao cultivarem espécies nativas adaptadas ao clima local, como milho, batata e quinoa; ao rotacionarem culturas para preservar a fertilidade do solo e evitar sua degradação; ao utilizarem técnicas de plantio que não exigem desmatamento extensivo nem uso de produtos químicos.
Os Mapuche ainda são conhecidos por recolherem apenas o necessário para subsistência, como madeira morta ou galhos secos; e por plantarem e cuidarem de árvores nativas, como o pehuén (araucária), árvore sagrada que fornece sementes comestíveis chamadas piñones.
Fora isso, a medicina tradicional Mapuche valoriza ervas e plantas nativas como parte essencial do bem-estar, por isso eles coletam plantas medicinais de forma seletivas, permitindo a regeneração das espécies; e ainda praticam rituais para pedir permissão aos espíritos da natureza antes de colheitas importantes.
Não obstante, os Mapuche também consideram a água um ser vivo e sagrado, essencial à vida, e têm o costume de realizar a conservação de nascentes e cursos de água, os protegendo contra a poluição e degradação; além de terem sistemas de irrigação tradicionais que utilizam a gravidade, evitando desperdícios.
De fato, dá para perceber que muitos dos hábitos sustentáveis dos Mapuche vêm de sua espiritualidade, que prega o equilíbrio e a reciprocidade com o meio ambiente. Os rituais, como o Nguillatun, são formas de agradecer e se harmonizar com os elementos da natureza.
Economia
A economia tradicional Mapuche se baseia na agricultura, trabalho têxtil e metalurgia com prata. Porém, a base econômica desse povo é a subsistência, onde eles cultivam alimentos como milho, batata, trigo e abóbora, utilizando técnicas agrícolas tradicionais. Há também a prática da pecuária, especialmente de ovelhas e cavalos; assim como a coleta de frutas silvestres, ervas medicinais e a prática da pesca que complementam a dieta e economia doméstica do povo.
O conceito de Az Mapu (em mapudungún, "equilíbrio com a terra") orienta as práticas agrícolas dos Mapuche e a forma correta de se usar recursos naturais. Naturalmente, esse estilo de vida fez com que os Mapuche rejeitassem a exploração intensiva e destrutiva do meio ambiente.
Embora priorizem a subsistência, os Mapuche também participam de redes de troca e comércio, utilizando tradicionalmente o sistema de trafkintu, que é a troca de produtos entre famílias ou comunidades, só que sem o uso de dinheiro. Produtos artesanais, alimentos e animais são as principais moedas de troca. Atualmente, é claro que muitos Mapuche também participam do mercado local, vendendo artesanatos, lã e produtos agrícolas.
Assim como em vários, senão todos, os aspectos de sua existência, a economia tradicional dos Mapuche foi fortemente impactada pela colonização espanhola e também pela integração forçada aos estados do Chile e da Argentina, o que fez com eles perdessem vastas porções de terra, prejudicando seu sistema econômico. Por essa razão, muitos Mapuche tiveram que resistir e adaptar suas práticas na intenção de recuperar suas terras e proteger seus modos de vida.
Quando falamos sobre a economia atual dos Mapuche e seus principais desafio, se faz necessário expor o desgaste no enfrentamento contra a agroindústria e a exploração de recursos naturais em seus territórios. Apesar disso, há esforços para revitalizar suas práticas econômicas tradicionais, combinando-as com iniciativas modernas como o turismo comunitário e a venda de produtos orgânicos.
Artesanato
Os Mapuche produzem tecidos, joias de prata e utensílios, sempre utilizando técnicas e estilos que refletem sua herança cultural, o que não só gera renda, mas também fortalece sua identidade cultural.
Eles são amplamente conhecidos pela tecelagem, que é uma prática predominantemente feminina que utiliza lã de ovelha ou alpaca. Os teares tradicionais são horizontais e simples, mas produzem peças complexas com padrões geométricos e cores naturais.
• Trarilonco é uma faixa decorada com padrões simbólicos, geralmente nada cabeça.
• Ponchos são peças utilitárias e simbólicas, usadas em cerimônias e no dia a dia, que muitas vezes representa a posição social do indivíduo.
• Ñimin são desenhos geométricos usados nos têxteis de forma singular, podendo representar elementos da natureza, mitologia e organização social.
A metalurgia Mapuche tem raízes profundas e é praticada principalmente por artesão chamados rütrafe (trabalhadores da prata), responsáveis por manipular a prata para criar joias e ornamentos que têm significado espirituais e sociais, indicando status, proteção e conexão com os ancestrais.
• Trarilonco é uma coroa de prata usada em cerimônias.
• Chaway são brincos longos e decorados.
• Sikil é um peitoral de prata.
A cerâmica Mapuche é denominada Ñocha, sendo utilitária e espiritual, usada para criar utensílios de cozinha, recipientes cerimoniais e objetos rituais. As formas e decorações geralmente refletem elementos naturais, como o sol, a lua e animais.
A escultura em madeira é usada para diversos objetos, como o Rewe que é um tronco esculpido que serve como escada sagrada em rituais religiosos liderados pelo machi (xamã); assim como o Kultrún, um tambor sagrado usado em cerimônias espirituais, que pode ser pintado com símbolos da cosmovisão Mapuche.
A cestaria Mapuche faz uso de fibras naturais, como junco e bambu, para produzir cestos e esteiras. Estes itens são tanto utilitários quanto decorativos, e muitos artesãos Mapuche participam de feiras e mercados para valorizar seus produtos.
Sociedade
A sociedade Mapuche tradicional é formada por membros que exercem papéis específicos e, por conseguinte, recebendo denominações específicas.
Os líderes e autoridades do povo Mapuche são:
• Lonko é o líder da comunidade (lof), responsável pela governança, tomada de decisões e mediação de conflitos. O lonko de um lof é escolhido pela sabedoria, experiência e capacidade de liderança, e sua posição pode ser hereditária ou baseada num consenso comunitário.
• Machi é o xamã ou guia espiritual dos Mapuche, responsável por desempenhar funções de cura, comunicação com os espíritos e realização de cerimônias religiosas. É geralmente uma mulher, mas também pode ser um homem. A machi faz uso de instrumentos sagrados como o kultrún (tambor cerimonial) e ervas medicinais em seus rituais.
• Weupife é o guardião da memória e dos conhecimentos ancestrais, sendo um espécie de historiador ou contador de histórias que preserva a oralidade e a tradição Mapuche.
• Toqui é o líder militar, geralmente escolhido em tempos de guerra ou conflito, sendo reconhecido por sua coragem, inteligência estratégica e força. O toqui lidera os weicha (guerreiros) e seu nome significa "portador do machado", este que um símbolo de poder militar.
• Nguillatufe é o responsável por conduzir as cerimônias espirituais, especialmente o Nguillatun, um ritual de agradecimento e conexão espiritual, atuando como uma espécie de sacerdote para a comunidade.
A sociedade Mapuche, como qualquer outra, também possui uma estrutura que diferencia seus membros.
• Ulmen é a elite tradicional ou nobreza Mapuche, composto por indivíduos que detêm prestígio e influência, muitas associados a grandes extensões de terra ou à liderança de várias comunidades.
• Cacique são líderes regionais Mapuche da época colonial, sendo um termo adotado do idioma espanhol. É muitas vezes usado de forma intercambiável com 'loko', mas pode ter uma conotação mais política.
• Werken é o mensageiro ou porta-voz do lonko ou da comunidade num geral, atuando como diplomata e comunicando decisões, além de ainda representar o lof em eventos externos.
• Reñma é a comunidade em geral, ou seja, o povo comum que vive no lof. São os agricultores, pastores, artesãos e guerreiros que sustentam a vida cotidiana da comunidade.
• Weicha são os guerreiros Mapuche, responsáveis pela defesa do território e da comunidade.
• Ñaña são as mulheres mais velhas, que têm um papel importante na transmissão de saberes e na manutenção das tradições familiares.
• Domos são as mulheres em geral, que desempenham papéis essenciais na vida doméstica, na agricultura, na criação dos filhos e na tecelagem.
Em relação à organização territorial dos Mapuche:
• Lof é a unidade básica da organização social Mapuche, composta por várias famílias unidas por laços de parentesco.
• Aillarehue é o conjunto de vários lofs unidos para objetivos comuns, sendo liderados por um lonko principal.
• Rehue é tanto uma unidade territorial quanto um conceito espiritual, se referindo também ao tronco sagrado usado em cerimônias.
Idioma
O sistema de linguagem dos Mapuches é o mapudungún, a língua ancestral e tradicional deste povo. O termo 'mapudungún' significa "a fala da terra", onde 'mapu' significa "terra" e 'dungun' significa "fala" ou "idioma".
O mapudungún é classificado como uma língua isolada, pois não está diretamente relacionada a nenhuma outra língua conhecida. É também uma língua aglutinante, pois forma palavras adicionando vários morfemas a uma raiz para indicar tempo, número, pessoa, etc. A ordem das palavras é flexível, mas tende a seguir o padrão sujeito-objeto-verbo (SOV).
• Küme - Bom
• Kümeleiñ - Estamos bem
O mapudungún faz uso de consoantes glotalizadas, não utiliza tons como línguas tonais, mas apresenta uma riqueza de vogais e consoantes. Ele é, originalmente, uma língua oral, transmitida de geração em geração sem uma forma escrita fixa. Essa transmissão permite a preservação dos saberes, histórias e mitos Mapuche, principalmente por fugiras como o weupife.
No mundo moderno, diferentes sistemas de escrita foram desenvolvidos por linguistas e pela própria comunidade Mapuche, mas não há consenso sobre qual usar. Os principais sistemas incluem:
Alfabeto Unificado - Um dos mais aceitos, usado em educação bilíngue e publicações; além de outros sistemas locais de escrita ou adaptações de alfabetos latinos.
Atualmente, o mapudungún está em perigo de extinção devido à influência predominante do espanhol e à urbanização. Porém, programas de revitalização linguística estão em andamento no Chile e na Argentina, como o ensino bilíngue em escolas, a publicação de livros, dicionários e materiais didáticos em mapudungún, e o uso da língua em meios de comunicação, como rádios comunitárias.
Estima-se que haja entre 100.000 e 200.000 falantes de mapudungún no mundo, mas principalmente no sul do Chile e na Argentina. A maioria dos falantes são bilíngues, usando o espanhol ou outras línguas regionais.
O mapudungún apresenta uma visão cíclica do tempo, refletida em expressões linguísticas. Não há distinções estritas entre passado, presente e futuro, mas sim uma ideia de continuidade Além disso, muitos nomes de lugares no Chile e na Argentina têm origem no mapudungún, como 'Chillán' (local onde há sementes) e o 'Temuco' (água de Temu, uma árvore nativa).
Colonização
O processo de colonização do território Mapuche pelos espanhóis pode ser dividido em várias etapas, desde os primeiros contatos até a consolidação do domínio colonial espanhol e suas consequências.
Em 1541, o conquistador espanhol Pedro de Valdívia fundou Santiago, no vale central do Chile, iniciando a exploração das terras mapuches. Isso fez com oque o povo Mapuche reagisse prontamente às incursões espanholas, defendendo seus territórios com estratégias de guerrilha.
Em 1546, ocorreu a Batalha de Reinohuelén, a primeira grande resistência armada dos Mapuche contra os espanhóis, marcando o início de uma guerra prolongada.
De 1550 a 1641, se passou a Guerra de Arauco, um período caracterizado por batalhas constantes entre os Mapuche e os espanhóis, principalmente na região do rio Biobío.
Em 1553, ocorreu a Batalha de Tucapel, onde os Mapuche, liderado pelo toqui Lautaro, derrotaram e mataram Pedro de Valdívia. Essa vitória se tornou um símbolo de resistência mapuche. Caupolicán e Colocolo também emergiram como figuras centrais da resistência. Para isso, o povo utilizou o território, com suas florestas densas e rios, como vantagem; também formaram alianças entre os diferentes lofs; e adaptaram técnicas militares aprendidas dos espanhóis, incluindo o uso de cavalos.
Em 1641, após quase um século de conflitos, o Tratado de Quilín foi assinado, estabelecendo o rio Biobío como fronteira entre o território espanhol e os Mapuche, o que fez com que o povo fosse reconhecido como uma nação independente. Ainda que o tratado marcasse uma relativa trégua, incursões e conflitos esporádicos continuaram.
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Pintura do jovem Lautaro, de Pedro Subercaseaux |
Durante 1641 e 1810, se passou o Período de "Fronteira", onde os Mapuche preservaram sua independência e praticaram comércio com os espanhóis na fronteira do rio Biobío, fazendo com a prática do trafkintu (troca de bens) prosperasse. E assim, produtos como gado, trigo e ervas eram trocados por armas, tecidos e outros itens espanhóis. Por essa razão, apesar da resistência, os Mapuche foram adotando alguns elementos culturais espanhóis.
Em 1810, houve a Independência do Chile, que fez com que os Mapuche passassem a enfrentar um novo desafio: a expansão territorial dos governos chilenos.
De 1861 a 1883, aconteceu a Pacificação da Araucânia, um período onde o governo chileno iniciou campanhas militares para ocupar o território Mapuche ao sul do rio Biobío, o que fez com que as terras Mapuche fossem confiscadas e redistribuídas para colonos europeus, especialmente alemães. Durante esse período, o povo foi forçado a viver em pequenas reservas chamadas recciones, o que destruiu sua organização social tradicional.
Mesmo sendo superados pelas armas e o número de militares, os Mapuche resistiram até o final, mas infelizmente foram subjugados. Apesar da colonização e repressão, os Mapuche mantêm até hoje uma luta ativa pela recuperação de suas terras e pelo reconhecimento de seus direitos culturais e políticos.
Espiritualidade
A espiritualidade Mapuche está enraizada em sua cosmovisão (mapuche rakiduam), que reflete a conexão intrínseca entre o mundo natural, o espiritual e o humano. Eles veem o mundo como uma teia interconectada, composta por elementos naturais, seres humanos e entidades espirituais. Além disso, o universo funciona por meio de uma dualidade equilibrada, como homem/mulher, vida/morte, luz/escuridão. A espiritualidade existe na busca de manter a harmonia entre essas forças, o que é fundamental para o funcionamento da natureza e a coexistência entre o ser humano e o meio ambiente.
De acordo com a filosofia tradicional Mapuche, existem três planos principais:
• Wenu Mapu é o mundo celestial ou espiritual superior, onde habitam divindades como o próprio deus criador, Ngenechen.
• Nag Mapu é o mundo terreno, onde vivem os humanos, animais e plantas.
• Minche Mapu é o mundo subterrâneo, associado aos espíritos e forças perigosas.
Entre as principais forças da natureza, estão:
• Ngenechen é uma entidade composta pelos aspectos masculino e feminino.
• Pillan que são os espíritos ancestrais poderosos que influenciam os eventos naturais e humanos.
• Ngen que são os guardiões espirituais dos elementos da natureza, como água (Ngen Ko), terra (Ngen Mapu) e montanhas (Ngen Mawida).
• Alwe são espíritos benevolentes que ajudam a humanidade.
• Wekufe são espíritos malignos perturbadores, associados a doenças, desastres e desequilíbrios espirituais.
Os praticantes espirituais e de magia são:
• Machi (xamã) que é a figura espiritual centra na cultura Mapuche, usando de ervas, cantos (ül) e rituais para curar doenças físicas e espirituais; além de facilitar a comunicação entre o humano e o divino; e orientar a comunidade em questões importantes.
• Kalku (bruxo) que é um praticante de magia considerado perigoso ou negativo, associado aos Wekufe, fazendo uso de feitiços e encantamentos para causar danos, mas também pode ser contratado para resolver problemas. São temidos e, ao mesmo tempo, respeitados, e a machi muitas vezes atua para neutralizar os efeitos de suas práticas.
• Weupife é o guardião do conhecimento ancestral e das tradições orais, que transmite histórias e saberes espirituais.
Alguns dos principais rituais e feitiços praticados pelos Mapuche são:
• Nguillatun que é a cerimônia comunitária central na espiritualidade Mapuche, realizada para agradecer aos espíritos, pedir proteção e assegurar boas colheitas, isso através de cantos, danças, sacrifícios de animais e oferendas.
• Machitún que é o ritual de cura conduzido pela machi para tratar doenças físicas e espirituais, fazendo uso de ervas, fumo, cantos e o kultrún.
• Palin que é o jogo cerimonial semelhante ao hóquei, com significados espirituais para a comunidade, realizado para fortalecer laços sociais e reequilibrar forças.
Com a chegada dos espanhóis, houve uma tentativa de conversão forçada ao Cristianismo, mas os Mapuche resistiram. Ainda assim, alguns elementos do Cristianismo foram sincretizados à espiritualidade Mapuche, como o uso de cruzes em cerimônias, reinterpretadas à luz de sua cosmovisão.
Os Mapuche têm um respeito mútuo por praticantes espirituais de outras culturas, vendo-os como parte do mesmo sistema cósmico. Em encontros interculturais, a troca de saberes e práticas espirituais tem ocorrido de forma limitada, mas os Mapuche mantêm a autonomia de sua tradição.
Eles também possuem um mito de dilúvio (epeu), uma grande inundação na qual o mundo é destruído e recriado. O mito envolve duas forças opostas: Kai Kai (representa a água, que traz a morte por meio de inundações) e Tren Tren (representa a terra seca, que traz a luz do sol). No dilúvio, quase toda a humanidade se afoga, os poucos que sobrevivem se mantêm através da prática do canibalismo, até restar apenas um casal. O problema, é que um machi diz a eles que deveriam dar seu único filho às águas, e ao fazerem isso, a ordem é restaurada no mundo.
Em 1960, houve o caso de um machi que sacrificou um menino jogando-o na água após um terremoto e um tsunami.
Arquitetura
A arquitetura Mapuche é caracterizado por diversos tipos de construções.
• Ruka é a casa tradicional, a habitação principal e mais icônica da arquitetura Mapuche. Possui geralmente formato retangular ou ovalada, sendo feita para se integrar ao ambiente natural, com entradas posicionadas estrategicamente (muitas vezes voltadas para o leste, em direção ao sol nascente, associado à renovação e energia espiritual em respeito ao deus Sol, Antü).
É construída à partir de madeira (troncos e galhos de espécies nativas como araucárias, coigues e ñires), fibra vegetal como palha ou grama seca para amarrações e revestimentos, argila ou pedras como base, em alguns casos; o espaço central é aberto para o fogo (kutral), usado para cozinhar, aquecer e realizar cerimônias espirituais; há pouca ou nenhuma separação entre cômodos, simbolizando a vida comunitária e a ausência de hierarquias rígidas dentro da família; além de não ter janelas, com ventilação feita por aberturas no teto ou perto do chão.
Próximas às rukas, são encontrados áreas cerimoniais e áreas agrícolas. As rukas são projetadas para suportar os ventos fortes, as chuvas e o frio típicos das regiões do sul do Chile e da Argentina. O telhado inclinado facilita o escoamento da água da chuva.
• Püchü Ruka é o celeiro ou depósito, estruturas auxiliares usadas para armazenar alimentos ou utensílios, sendo menores e menos elaboradas, mas com design semelhante às rukas.
Artes |
Poncho |
A arte Mapuche está intrinsecamente ligada à sua espiritualidade, aos ciclos da natureza e à vida cotidiana. Faz uso de elementos geométricos, como linhas, espirais e cruzes, para representar a conexão com a natureza e o cosmos.
A matéria-prima da arte Mapuche inclui madeira, argila, lã, metais (principalmente prata), pedras e fibras vegetais. Os tecidos são feitos com lã de ovelha ou de alpaca, tingida com corantes naturais extraídos de plantas, flores e minerais.
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Chemamüll |
• Trarihue é uma faixa ou cinto com desenhos geométricos.• Chamanto é um manto cerimonial decorado com padrões simbólicos.
• Trapelakucha é um colar com discos de prata, usado em cerimônia.
• Chaway são brincos pendentes.
• Tupu é um alfinete ornamentado usado para prender mantos.
• Metawe é uma jarra cerimonial em forma de animal ou motivos geométricos, usada em rituais e festas.
• Rewe é um tronco esculpido em forma de degraus, usado em cerimônias religiosas, e representa a conexão entre os mundos espiritual e terreno.
• Chemamüll são estátuas de madeira que representam figuras humanas, usadas em rituais funerários para proteger os espíritos dos mortos.
• Pewma são motivos inspirados em sonhos ou visões espirituais.
• Poncho é um tipo de vestimenta externa feita de tecido e projetada para manter o corpo aquecido.
• Mere Okewa é um bastão de pedra com um corpo longo e achatado, também chamado de clava cefalomorfa, e que possui uma importância ritual como um sinal especial de distinção carregado por chefes tribais. Está associado ao poder masculino e consiste num disco com uma alça acoplada; a borda do disco geralmente tem um recesso semicircular, e em muitos casos, a face retratada no disco carrega desenhos incisos. A alça é cilíndrica, geralmente com um diâmetro maior em sua conexão com o disco.
Bandeira A bandeira Mapuche é chamada de Wenufoye (em mapudungún, significa "Cano Sagrado Celestial"), e é um dos símbolos mais representativos da cultura e identidade desse povo. A bandeira foi adotada oficialmente por organizações Mapuche em 1992, durante o 500° aniversário da chegada dos europeus à Américas, como um símbolo de resistência e união.
• Azul (kallfü) é a cor que representa o céu, o universo e a espiritualidade, estando associado ao equilíbrio e à proteção divina.
• Verde (karü) é a cor que simboliza a terra, a fertilidade, a natureza e a conexão do povo Mapuche com o meio ambiente.
• Vermelho (kelü) é a cor que simboliza a força, a energia vital, a luta e o sangue derramado pelos ancestrais na defesa de sua cultura e territórios.
• Amarelo (chog) é a cor que representa a luz do sol, a sabedoria e a prosperidade.
• Preto (kürü) é a cor que representa a força, a determinação e o poder espiritual dos ancestrais.
Chegamos ao fim de mais um artigo, espero que eu tenha conseguido deixar claro o quão importante a existência do povo Mapuche se fez, tornando eles um exemplo de que a união de um povo contra um inimigo em comum é capaz de gerar mudanças importantes em uma comunidade.
Se vocês gostariam de adicionar mais algum conhecimento sobre o assunto, não hesitem em comentar. Fiquem a vontade para me contatar também pelo e-mail delartiel@gmail.com. Muito obrigado por terem aguentado todos os parágrafos, e até a próxima!
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